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Ferdinand de Saussure

Por Stefania Montes Henriques

temontess@gmail.com​

​Ferdinand de Saussure, o mais velho dos quatro filhos de Henri de Saussure e Louise de Saussure, nasceu em 26 de novembro de 1857, em Genebra. Integrante de uma família de intelectuais, ainda adolescente, escreveu o Essai pour réduire les mots du grec, du latin et d’allemand à un petit nombre de racines, trabalho que podemos considerar como um prelúdio do que seria discutido nos cursos de linguística geral. Nele, Saussure partia da hipótese de que todas as línguas conhecidas teriam como origem nove raízes primitivas. Esse ensaio foi enviado ao vizinho e comparatista Adolphe Pictet, o qual respondeu: “Meu jovem amigo, vejo que você pegou o touro pelos chifres [...]". Ao relembrar desse episódio, Saussure, em seu manuscrito ‘Souvenirs’, diz: « e ele me distribuiu então boas palavras que foram eficazes para me acalmar definitivamente sobre qualquer sistema universal da linguagem”. (SAUSSURE, 1960, p. 17). Mas a calma de Saussure não perdurou por muito tempo, visto que esse sistema universal, como veremos, estaria presente até o final de sua vida.

 

Em 1875, entrou para a Sociedade de Linguística de Paris e juntamente com os cursos de química e física, começou a assistir também as aulas de Louis Morel sobre linguística indoeuropeia. No ano seguinte, mudou-se para Leipzig que era, naquela época, considerado um local de reconhecida produção na gramática comparada. É nesse contexto que Saussure se dedica ao estudo das línguas germânicas, como o eslavo e o lituano, e assiste às aulas de H. Osthoff, G. Curtius e K. Brugmann.  

 

Em 1879, Saussure defende o seu Mémoire sur le système primitif des voyelles indoeuropéennes. Nesse trabalho, já é possível entrever de maneira mais definida o que seria, posteriormente, denominado de teoria do valor, pois Saussure afirmava que as unidades linguísticas eram opositivas e diferenciais e não podiam ser analisadas separadamente, mas sim no sistema do qual fazem parte. Como bem apontou De Mauro (2005: 328), a fortuna do Mémoire foi feita de contrastes: ao mesmo tempo em que despertou o reconhecimento de especialistas, como L. Havet, também teve uma repercussão desfavorável, principalmente na Alemanha.  

 

Ainda em Leipzig, em fevereiro de 1880, Saussure defende a sua tese De l’emploi du génitif absolu em sanscrit, na qual a premissa de que o valor de uma unidade linguística é relacional e opositivo prevalece, além de transparecerem as suas preocupações terminológicas. As críticas à tese foram majoritariamente boas e Saussure opta por continuar seus estudos em Paris, frequentando os cursos de M. Bréal, J. Darmesteter, A. Bergaigne e Louis Havet na École des Hautes Études.

 

Em 1881, Saussure é nomeado Maître de conferénces de gothique et de vieux-haut allemand. Sobre o seu período como docente na École des Hautes Études, um de seus alunos afirmou : « durante uma década ele ensinou com uma clareza e autoridade incomparáveis e, entre tantos mestres eminentes, foi um dos mais escutados e mais amados. » (MURET, apud, DE MAURO, 2005, p. 336).  

 

Em 1891, Saussure retorna à Genebra para assumir uma cadeira de linguística na Université de Génève e profere as Trois premières conférences à l’Université, nas quais é possível perceber que questões como sincronia e diacronia, arbitrariedade e a marcha da língua no tempo são delineadas. Ademais, em 1894, escreve a Meillet a famosa carta em que lhe confidencia a insatisfação com a terminologia corrente (BENVENISTE, 1964, p. 95), insatisfação essa que já era demonstrada em sua tese sobre o genitivo em 1880 e é marcante em seu percurso de elaboração teórica.

 

Durante seu período como docente em Genebra, Saussure assumiu vários cursos na Universidade. Dentre os cursos ministrados, podemos citar: Phonétique du grec et du latin, Sanscrit, Histoire des langues indoeuropéennes, Grammaire comparée du grec et du latin, Lituanien, Les Nibelungen, etc. Pelos poucos exemplos citados, é possível perceber a variedade de assuntos pelos quais Saussure se interessou. O curso sobre os Niebelungen, por exemplo, ocorreu em 1904, mas o interesse do linguista pelo tema se estendeu até 1910, como é atestado pela grande quantidade de folhas manuscritas referentes a esse estudo. Além disso, entre 1906 e 1909, Saussure desenvolveu também a pesquisa anagramática, partindo da hipótese de que os poetas construíam os versos de maneira que uma determinada palavra-tema fosse evocada.  

 

Entre 1907 e 1911, Saussure se dedica aos três cursos de linguística geral. O primeiro curso teve início em 16 de janeiro de 1907 a 3 de julho de 1907; o segundo curso começou na primeira semana de novembro de 1908 e se estendeu até 24 de junho de 1909; e o terceiro curso ocorreu entre 29 de outubro de 1910 a 4 de julho de 1911. É justamente nesses cursos que a originalidade e o brilhantismo de Saussure são mobilizados de maneira a delimitar a língua como objeto de estudo da linguística.  

 

Em 1912, com a promessa de ministrar um quarto curso de linguística geral, o qual teria como conteúdo a parole, Saussure se afasta das atividades acadêmicas em virtude de problemas de saúde. Nesse período, continua seus estudos, interessando-se, inclusive, por novos temas, mas é interrompido em fevereiro de 1913, falecendo em Genebra.  

 

Segundo C. Bally e A. Sechehaye, após a morte de Ferdinand de Saussure, “todos que tiveram o privilégio de acompanhar tão fecundo ensino deploraram que dele não tivesse surgido um livro.” (BALLY; SECHEHAYE, 2012, p. 23). Desse modo, com o auxílio das notas dos alunos que participaram dos cursos e de anotações do próprio Saussure, Bally e Sechehaye, com a colaboração de A. Riedlinger, editaram o Curso de Linguística Geral, publicado em 1916 e traduzido para mais de 20 línguas.    

 

Como aponta Silveira (2007, p. 145), é possível perceber que o percurso de elaboração de Saussure não se deu de maneira linear: ele “não começou no comparativismo e terminou na sincronia. Não começou nas aulas e terminou na edição dessas por seus alunos. Não começou nos anagramas e terminou na teoria do valor”. O movimento de Saussure pela linguística ocorreu de maneira singular e a sua busca, ainda jovem, por um sistema universal de língua se manteve presente durante todos os seus estudos, às vezes de maneira velada, outras vezes de maneira explícita. Nesse sentido, parece-nos pertinente dizer que o que moveu Saussure durante sua vida e lhe consolidou como fundador da Linguística Moderna foi a sua insatisfação com o que estava posto e a sua vontade de solucionar problemas.  

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REFERÊNCIAS

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BALLY,C.; SECHEHAYE,A. Prefácio à primeira edição. In: SAUSSURE, F. de. Curso de linguística geral. Tradução de Isaac Nicolau Salum. Editora Cultrix : São Paulo, 2012.

DE MAURO, T. Notes biographiques et critiques sur F. de Saussure. In : SAUSSURE, F. de. Cours de linguistique générale. Édition critique préparé par Tullio de Mauro. Payot : Paris, 2005.

FEHR, J. Saussure : cours, publications, manuscrits, lettres et documents. Les contours de l'oeuvre posthume et ses rapports avec l'œuvre publiée. Histoire Épistémologie Langage. Tome 18, fascicule 2, 1996. pp. 179-199.

JOSEPH, J. Saussure. Oxford University Press : Oxford, 2012. SAUSSURE, F. de. Souvenirs de F. de Saussure concernant sa jeunesse et ses études. Cahiers Ferdinand de Saussure, Genebra, v. 17,  p. 12-25, 1960.

SILVEIRA, E. As marcas do movimento de Saussure na fundação da linguística. Campinas, SP: Mercado das Letras∕FAPESP, 2007.

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